29 março 2010

A boca, o hálito e um desejo

Chove, aquela previsível garoa de um fim de tarde qualquer, e úmido e sem sentido ou expectativas mais um dia estéril finda. O observo e concentro meu olhar-flecha em seu mamilo, pensamento libidinoso fora de hora prontamente dissipado pela racionalidade.

De volta ao meu mundinho interior, que se assemelha muito às famosas obras de Dali, sou surpreendido por um olhar quase infantil e a aproximação do jovem de mamilo rosado que tanto me apeteceu. Com certa indiferença respondo seu cumprimento: “Oi” – cansado de tantos com pouco ou nada a dizer, ou o regresso da minha síndrome de diva? Sim, já olhei por cima os mortais que me cercaram, pobre deles que não passavam de sombra borrada no chão diante da minha plenitude em si.

Não bastou o mamilo, o nariz impecável, o rosto talhado em linhas retas e másculas e a atitude em vir a mim; em seu diabólico plano ainda havia uma voz sedutora, um som safado e rouco levemente balanceado que embriaga de imediato.

Eu ainda reticente e ele dá a cartada final, um lance de mestre – ou tudo ou nada – e se explica: “Estava ali fumando um baseado, não era outro tipo de droga não. Só um baseadinho.” Com indiferença brutal apenas balanço minha cabeça, e ele desconfia da minha sinceridade: “Sério, você pode estar pensando outra coisa. Mas era só um baseado, sabe...”

Respondi, tentando quebrar a camada de gelo formada entre nós: “Relaxa, acredito em você”. E ele, não contente em enfiar o punhal, decide que é o momento de revolvê-lo e testar minha resistência: “Vem aqui, pode sentir o cheiro”, faço uma negativa e insisto na frase: “Confio em você”. O menino do mamilo rosado e voz de desejo então pede: “Vem cá, por favor”, aquele “por favor” inviabilizou qualquer reação contrária e então me entreguei ao seu hálito e percebi o desenho delicioso de sua boca. O hálito morno e intenso cheirando a maconha – um cheiro quase gosto e delicadamente mofado. Cheiro de maconha me lembra mofo, sabe-se lá o porquê.

Missão cumprida, ele fez sua parte. E eu... Eu racional senti o desejo vindo daquela boca, mas foi desejo apenas desejo de ele ser desejado. E ele conseguiu, sim, ser desejado veementemente por mim, que por alguns instantes perdi a razão e fui entorpecido por seu desejoso hálito.


4 comentários:

  1. Acho que você é uma das poucas pessoas que eu conheço que atraem personagens bizarros..rs acho isso fascinante!!!

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  2. Cara, excelente o texto..são poucos que conseguem prender a atenção a cada palavra..ainda mais com texto longo. Parabéns, e valeu pela visita!
    Abração

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  3. Ai, ai, ai...cada texto seu é uma viagem aos nossos desejos mais latentes, nossos segredinhos...Quero colocar um texto seu no meu blog, com os devidos créditos, me autoriza?
    Abraços e bjundas!

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  4. Kikoriaze.com não apenas autorizo, como enfatizo que vai ser um prazer e honraria fazer parte do universo vibrante do "Subvertendo Convenções".

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