16 março 2010

Sorvete, por favor.

Em casa, janela aberta e um sopro frio que invade lentamente o quarto abafado e sempre bagunçado.
Observo este quadrado absoluto que me cerca e é como ver o reflexo de como estou por dentro. Absorto, em algum pensamento que sempre está nele (O Italianinho), a relação com espaço e tempo não mais faz sentido, até que uma voz insiste em chamar, timidamente, por meu nome: - Giuliano.
De imediato não reconheço a quem pertence a voz e respondo instintivamente, desço a escada e vejo por meio dos vidros de uma outra janela o Litle Eduard. Ele é jovem, e tem uma capacidade de minimizar qualquer dificuldade, a vida para ele é um enorme parque de diversões e ele se diverte.
Seus olhos estavam apequenados e levemente rubros, e seu sorriso fácil estava presente e convidada a compartilhar um imediato estado de felicidade. Conversamos em frente ao portão da minha casa, rimos e eu tentei desvendar como ele pode ser tão pouco denso e tão à favor do vento, seja ele qual for e em que direção for. Nada mais conveniente que um sorvete - talvez para resgatar as memórias da infância - saímos, andando lentamente ao som de algum pedido dele, despercebido por mim.
Constatamos o horário já avançado da noite - dando espaço à madrugada - quando avistamos que a loja e sua máquina de sorvete não mais estavam à disposição, sim foi uma decepção. Sem direção, e esperando a ligação de um amigo em comum voltamos pelo mesmo caminho antes traçado, passos sistemáticos, perguntas vazias e algumas brincadeiras bobas.
Um bar, as portas já semi-cerradas e a vontade dele em ir comprar algo. Duas moedas apenas, nada mais, ele entra no bar como se fosse íntimo do ambiente e escapa ao meu olhar. Na esquina, esperando um desejo dele ser saciado, encontro o Betinho sorrindo vindo em minha direção. É notória e natural a alegria do nosso encontro, e em um curto espaço de tempo falamos de futebol, apostas de cervejas, amizade, assassinatos recentes, rimos de outros, apertamos nossas mãos. Incomodamos duas pessoas (ciúmes fraterno) que tentavam chamar a atenção do meu interlocutor tão dedicado e intensamente envolvido. Então avisto Litle Eduard descer o degrau do bar, vindo pelas costas do Betinho ele pára na minha frente, um sorriso largo no rosto e dois sorvetes já derretendo em suas mãos. Feliz, ele me dá um dos sorvetes e eufórico comemora ter encontrado àquela hora, naquele bar o tão desejado, por nós, sorvete. A conversa futebolística continua, o sorvete tem sabor "de nada misturado com coisa nenhuma", não disfarço e resignado o entrego para ser devorado por ele. É hora de ir, despedidas banais, mais risadas e uma recomendação do Betinho a meu amigo: " - Hei, cuida bem dele. Viu!".
De imediato brinquei que quem cuidada dele era eu, e o Betinho o olhou como que dizendo: " - Olha lá o que você vai aprontar, estou de olho". Não desfiz o mal entendido, e Litle Eduard tampouco se incomodou em ter se passado por um possível namoradinho meu. Tudo tão simples, tão descomplicadamente fácil. Deixei o garoto do sorvete com meu outro amigo, voltei para casa ainda com o sabor gelado em minha boca e senti que as coisas podem se encaixar perfeitamente, e que é possível ver beleza onde antes só havia desolação.

5 comentários:

  1. Aaah, gostei. x)
    Vocês são apenas amigos, pelo que eu entendi, certo?
    Talvez por isso o tom suave e despretensioso... gostei mesmo.

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  2. Sim CP, apenas e tão somente amigos. Obrigado pelo elogio.

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  3. Tem suspense nas palavras, é poéticamente misterioso.
    Ps.: "cíumes fraternos" de lei.

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  4. Kkkkkkkkkkk... #PorraRodrigus

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